Os especialistas ainda não sabem exatamente do que são feitos todos os componentes fundamentais do cosmo. Sabe-se, por exemplo, que o universo possui três ingredientes principais. O primeiro deles é uma velha conhecida do homem: a matéria visível. São partículas que formam os tijolos fundamentais dos átomos, planetas e estrelas. Tão massivos são os corpos celestes e tão onipresentes são os átomos que seria natural assumir que a maior parte do universo é composta por matéria visível, certo? Mas não. Apenas 5% dele é matéria visível. O restante é ocupado pelos outros dois ingredientes — a matéria escura e a energia escura. São manifestações exóticas da natureza e quase nada conhecidas pelo homem. A audaciosa tarefa do AMS será ajudar os cientistas a entender do que são feitos esses 95% do universo.
Fórmula do universo
Para entender os outros dois ingredientes que formam o cosmo será preciso levar em consideração um fato inusitado. Quando os cientistas observam a forma com que estrelas e as galáxias se movem, há algo inusitado: apesar de a física afirma que as estrelas, planetas e corpos de uma galáxia deveriam se movimentar mais lentamente à medida em que se afastam do centro dela, isso não acontece na prática, no caso das galáxias. No Sistema Solar, por exemplo, Mercúrio, que está próximo do Sol, movimenta-se em torno do astro com velocidade 60% mais rápida do que a da Terra. Marte segue mais lento que o nosso planeta e Júpiter ainda mais. E assim por diante, até Plutão e Eris, que praticamente se arrastam em volta do Sol.
As diferentes velocidades esperadas pelos físicos podem ser entendias quando observamos um furacão, explica o físico Marcelo Gleiser, autor do livro Criação Imperfeita (Editora Record, 368 páginas, 49,90 reais). Se medirmos a velocidade das moléculas próximas ao olho do fenômeno, elas se movem rapidamente. À medida em que se afastam do centro, as partículas perdem força e ficam mais lentas, até o furacão desaparecer completamente. “Assim deveria funcionar com as galáxias”, afirma Gleiser. Contudo, as observações cósmicas mostram que os corpos nas periferias das galáxias movimentam-se com velocidades comparáveis às daqueles que estão mais ao centro.
Matéria escura
Portanto, para que as equações da física façam sentido, é preciso que exista alguma força empurrando o amontoado de poeira, gás, estrelas e planetas da periferia das galáxias em velocidades semelhantes a de corpos que estão mais próximos do núcleo. Essa força adicional compensaria a previsão física de que quanto mais longe do centro de uma galáxia, mais lento é o movimento dos corpos. Essa força adicional, dizem os físicos, é a gravidade de uma manifestação da natureza que possui massa, mas não emite qualquer tipo de luz — ou radiação — que o homem consiga medir diretamente.
Como não é possível enxergá-lo, os cientistas deram o nome de "matéria escura" a esse que seria o segundo ingrediente mais abundante no universo. Estima-se que 23% de tudo seja formado pela matéria escura. “Os pesquisadores têm certeza de que ela existe, pois ela exerce força sobre os corpos, influencia inclusive a luz”, esclarece Gleiser. Apesar de não detectá-la diretamente, é possível perceber os efeitos que a matéria escura causa no movimento das galáxias.
Energia escura
O mais abundante dos ingredientes do universo, porém, é a ainda mais misteriosa energia escura. Gleiser explica que os modelos físicos provaram que o universo está em expansão, de acordo com a teoria do Big Bang — a grande explosão primordial que deu início a tudo. “Só que, em 1998, descobriu-se que essa expansão estava acontecendo mais rapidamente do que as equações previam”, diz. Para que a conta fechasse, os cientistas calcularam o quanto de força seria preciso para provocar o excedente na velocidade de expansão das galáxias. A essa força deu-se o nome de energia escura – que corresponde a 72% do universo.
Saber que essas forças estranhas existem não é suficiente. “É necessário saber do que elas são feitas e como elas podem ajudar o homem a entender o universo, melhorar os modelos físicos e desenvolver melhores tecnologias”, pondera Gleiser. É aí que entra o AMS, o caro experimento de dois bilhões de dólares.
Futuro
A análise dos raios cósmicos que a sonda fará será inédita. Como a maioria das partículas dos raios cósmicos é repelida pela atmosfera, torna-se difícil o estudo deles a partir da superfície da Terra sem qualquer tipo de interferência. O AMS vai capturar partículas usando um poderosíssimo imã, o mais potente já colocado no espaço. Detectores ultraprecisos vão identificar essas partículas e medir a massa, carga e energia de cada uma delas. Como cada partícula deixa um rastro único, os cientistas esperam encontrar aquelas que explicam de alguma forma a natureza da matéria e energia escuras.
O investimento colossal em um único experimento científico mostra que a comunidade internacional está disposta a gastar muito dinheiro para responder questões fundamentais. O projeto ainda dá uma sobrevida à Estação Espacial Internacional, criticada por não ter uma serventia substancial no avanço da ciência além de experimentos em microgravidade. Os cientistas ainda terão muito que fazer até que o AMS esteja em pleno funcionamento. Será preciso instalá-lo no enorme complexo espacial que flutua a 400 quilômetros da superfície da Terra e depois realizar uma série de testes para comprovar seu funcionamento. Não tem problema. O universo nos espera — desde sua criação, há bilhões de anos — e sempre vai esperar, pacientemente, para ser explorado.
Fonte: Nasa
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